Power e Counter Run

Muitos pensam que o termo “Power” no futebol americano descreve uma atitude ou talvez até uma formação, sendo que na verdade, é algo mais técnico do que somente isto. Os conceitos Power e Counter, por exemplo, são os jogos corridos fulcros na NFL e NCAA. Esses conceitos são tão efetivos pelo simples fato de sua agressividade. A “pancadaria” está nos combo blocks, double team, kick outs, lead blocks e down blocks, facilitando o jogo de ângulos nas trincheiras e fazendo com que o corredor tenha somente um único defensor para lidar. Para leigos, o ataque de um futebol americano gira em torno do quarterback, mas o jogo corrido interno ainda é o que faz o ataque caminhar, independentemente do esquema ofensivo que você utiliza. Vamos dar uma olhada nos conceitos Power e Counter, como eles foram desenvolvidos, como eles funcionam e como equipes estão rodando esses conceitos com coaching points diferentes.

Entendendo os conceitos

Paul Alexander, um dos mais respeitados treinadores de linha ofensiva da NFL – há 22 anos ocupando este cargo no Cincinnati Bengals – disse em uma clínica para coaches que “Não existe nada mágico na jogada Power” e ele tem toda razão. Quase todas as equipes da NFL rodam este conceito, embora algumas franquias como Seahawks, Steelers e Bills sejam mais explicitas nessa execução, conquistando jogadas espetaculares recentemente (a equipe de Seattle ainda conseguiu estabelecer a fama de “Beast Mode” do running back Marshawn Lynch). A ideia da Power é tão antiga quanto o princípio do futebol americano, possuindo registros de sua execução no playbook do coach Fielding Yost, em 1905. Entretanto, coaches da NFL passaram os últimos 20 anos ajustando e aprimorando esse conceito.

Conceito de power Run de Jon Gruden

POWER RUN

Para facilitar, vamos separar as responsabilidades.

  • Linha Ofensiva do Playside (Tight End, Tackle e Guard): A regra básica para cada um dos OL’s é a “Inside Gap, Cover, Linebacker”, o que significa que primariamente eles verificam o inside gap (ou seja, se a corrida for para a direita, eles checam para ver se alguém está alinhado à sua esquerda), então progridem sua leitura para certificar se estão cobertos (do seu nariz até o nariz do próximo) e por fim, se não tiver nenhum defensor no outside gap e se estiver descoberto, bloquear o linebacker do playside. Com isso, esperamos que ocorra ao menos um combo block (ou double team, dependendo do coaching point) para o playside, normalmente entre o guard e o tackle no defensive tackle. A ideia básica desse double team é esses dois OL’s tirarem o DT do caminho em direção ao linebacker, e no último segundo (um coach de college utilizou uma vez a expressão “quando você sentir o bafo do LB”), um desses OL’s pegar ele (o OL que tiver mais próximo irá bloqueá-lo). Se não funcionar muito bem, pelo menos o double team será efetivo ao tirar o DT do caminho.
  • Center: O center dará um passo para o backside para parar qualquer defensor que queira passar. Ele realiza o bloqueio CAT (conceito “Center and Tackle”) com o backside tackle.
  • Guard do Backside: Responsável por realizar o pull lead e bloquear o primeiro defensor desbloqueado que cruzar a sua face. Conhecido como “wrapper”.
  • Tackle do Backside: Realizará juntamente com o center o CAT, dando um passo em direção ao playside para selar o espaço deixado pelo pull do guard e posteriormente abre o seu quadril para evitar perseguições do defensive end do backside.
  • Fullback (Ou H-Back): A sua função é aplicar uma “trap” ou um kick out block para criar um corredor para o running back. O fullback vai bloquear o primeiro defensor que vier do ombro de fora do TE para fora. O head coach de Stanford, David Shaw, usou a seguinte metáfora para ilustrar o papel de um fullback na Power: “Nós falamos sobre ter que ‘arrombar’ um gap. o fullback é o nosso pé de cabra.”
  • Running Back: A verdadeira chave para o sucesso desse conceito é permitir que os bloqueios se desenvolvam. Os corredores precisam ter paciência. Mas o primórdio do conceito diz para o running back “ler o alfabeto”. Procure a partir do playside os gaps A, B, C e D por uma lane (corredor) e mergulhe nela.

As especificidades da Power são simples, embora executar e dominar o conceito requer total atenção aos detalhes. Porém, quando executada corretamente, ela não é somente efetiva. Ela destrói!

COUNTER RUN

Enquanto a origem da Power ainda é meio nebulosa, a Counter já podemos dar os devidos créditos da sua criação: o ex-head coach do Nebraska Cornhuskers, Tom Osborne e o seu coach de linha ofensiva, Milt Tenopir. Nos anos 70, a equipe de Tom Osborne – já conhecida pelo seu devastador ataque terrestre – utilizou o Counter Sweep onde o seu wingback pega a bola e corre por fora do DE. Apesar da inovação, as defesas já se ajustariam à jogada até o fim da década. A partir daí, Osborne e Tenopir começaram a procurar outras maneiras de utilizar um conceito similar, porém, combinado com misdirection e vários pulls. Depois de alguns ajustes, foi desenhada a versão da Counter que a grande maioria das equipes da NFL e College utilizam hoje em dia. Eles estrearam em 1982 nos Cornhuskers e foi um completo sucesso, onde nos próximos dois anos, o seu Tailback Mike Roizer correu para 3.837 jardas (média de 7,4 jardas por corrida), marcou 44 touchdowns e conquistou o troféu Heisman em 1983. O Counter se tornou um dos pilares do jogo corrido de Nebraska, levando a equipe de Osborne à conquista do campeonato em 84 e repetindo em 93, 94, 95 e 97.

Mas enquanto os coaches de Nebraska deram um duro desenvolvendo o conceito da Counter, um terceiro coach ficou famoso por ele: o ex-head coach do Washington Redskins, Joe Gibbs. “Nebraska estava fazendo realmente algo inovador no seu ataque. Fui assisti-los e pensei ‘Meus Deus, isso é coisa boa!’ Acabei me apropriando daquilo.” Gibbs estava enganando a si mesmo pensando que tudo o que tinha feito de diferente foi inverter a jogada, embora a sua visão de Power e Counter tenha elevado o futebol americano ao que somos hoje. Gibbs percebeu que Power e Counter são, na sua essência, a mesma jogada. A única diferença para os bloqueadores é que na Power o fullback era o responsável pela trap e o backside guard era o wrapper (lead). Na Counter era exatamente o contrário e foi a aplicação dessa percepção de Gibbs que levou os Redskins a três Super Bowls.

Conceito Counter por Gibbs no playbook original dos Redskins

Como mostra a imagem anterior, Gibbs inicialmente correu a Counter exatamente da mesma forma que Nebraska (com guard e tackle do backside liderando os bloqueios em pull para o playside), mas eventualmente ele começou a utilizar o tight end do backside ou um fullback para liderar ao invés do tackle, fazendo uma adaptação que se tornou a padrão hoje em dia. Esta adaptação possui duas funções básicas: Primeiro, ele colocou os dois conceitos (Power e Counter) na mesma página, ou seja, a atribuição dos tackles é a mesma em ambos. Segundo, eliminou aquele gap enorme que se abre quando guard e tackle do backside saem no pull que excelentes defensive ends possam explorar, explodindo na saída dos OL’s e acabando com a jogada ainda no backfield. Abaixo vemos o diagrama de Jon Gruden mostrando como outros coaches da NFL adotaram as adaptações de Gibbs:

Conceito Counter no playbook dos Buccaneers de Gruden

Fazendo a mágica acontecer

A beleza dessas jogadas – além de ver jogadores de linha ofensiva de 120 kg batendo forte em defensores em corredores abertos – é que a sua simplicidade torna a execução descomplicada a partir de qualquer formação, onde você pode utilizar motions, shifts e até mesmo um jogador de linha ofensiva extra para criar confusão na defesa. Vamos criar gaps, vamos fazer os linebackers pensar “O meu gap era o A Forte, mas espera, todos já se deslocaram. Meu gap agora é o C forte?”. Queremos ver a defesa pensar e se comunicar sobre nossas formações para aí fazermos uma mudança e forçá-los a pensar e se comunicar novamente. Esse é o intuito dessas jogadas, OL’s e fullbacks como bloqueadores extra batendo nas lanes, combinadas com mudanças sutis e pontuais (como formações, motions, shifts, etc.) para confundir defensores e realizar grandes jogadas.

Quer um exemplo prático? O Steelers viu a dificuldade da defesa do Bengals em lidar e ajustar a sua defesa contra personnel pesado (20, 21, 22), principalmente quando o ataque chamava motion do tight end para ele trocar de lado, deixando a defesa exposta para combater o Counter. Não deu outra. O time de Pittsburgh correu o conceito repetidamente. O resultado foram 543 jardas ofensivas, na sua grande maioria rodando a Counter, sendo 185 delas para Le’veon Bell, que marcou dois touchdowns. Observe nesses cuts da Smart Football.

Mas não é somente na NFL que Power e Counter são conceitos bem explorados. Na NCAA, muitas equipes também utilizam, com destaque pra Ohio State, principalmente depois da chegada de Urban Meyer (com bastante influência do spread offense rodado no Florida Gators). Quem acompanhou o BCS Bowl em 2015 – possivelmente para ver o “fenômeno” Mariotta e o poderoso ataque de Oregon – viu a equipe de Ohio “passar o carro” na defesa dos Ducks, justamente com a Counter, especificamente nos 3º e 4º quartos, levando a vitória por 42 x 20. Os Buckeyes combinaram a Counter com um Fake Jet Sweep para congelar os linebackers, dar tempo para os seus bloqueios se desenvolverem e o seu Running Back achar os corredores criados por seus bloqueadores. Esse RB não é ninguém menos que Ezekiel Elliott.

E para completar, mesmo Nick Saban (Alabama) sendo considerado um coach de velha guarda, mostrou que sabe ser prático. Não somente o Alabama Crimson Tide adotou o Spread Offense como também aplicou o conceito da Power Run, aproveitando o que Alabama tem de melhor (OL e RB). Confira um GIF do RB Derrick Henry correndo um touchdown proveniente de uma Power contra a defesa de Winsconsin. Parece familiar? Não, esse não é um jogo entre Ohio e Oregon.

Coaches e atletas – principalmente os de linha ofensiva – gostam da Power e da Counter. Não somente por causa dos seus esquemas, mas também pela atitude (agressiva) que elas incorporam. Se uma equipe está pronta para utilizar esses conceitos, o ataque sabe muito bem que irá tirar vantagem disso por bloquear jogadores em ângulos (e velocidades) favoráveis e a defesa já sabe que terá um longo jogo pela frente. São jogadas desenhadas pra ganhar 4 ou 5 jardas, justamente com agressividade nos bloqueios. Praticamente, castigar a defesa o tempo inteiro, compensando e favorecendo o seu jogo taticamente. Afinal, que ataque não quer ser “power”?

Fontes:

http://grantland.com

http://insidethepylon.com

https://understandingthetrickeration.wordpress.com

https://www.footballstudyhall.com

 

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